Cunha Couto

Gestor de Crises

11 de setembro de 2001 e a atuação do Gabinete de Crises no Brasil

CCBlog 120

Há 22 anos, de forma coordenada, extremistas islâmicos sequestraram quatro aviões comerciais para uma ação terrorista suicida contra alvos em Nova Iorque e em Washington D.C.

Foi quando o terrorismo entrou, efetivamente, em pauta internacional.

O voo United Airlines 175 seguiu em rota de colisão contra a Torre Sul da World Trade Center (WTC), depois de a Torre Norte estar em chamas após ter sido atingida pelo voo 11 da American Airlines. Os ataques mataram 2.977 pessoas – cidadãos de 93 países, segundo o memorial do 11 de setembro.

O mundo mudou após tais ações terroristas e o Brasil também.

Somos um país em paz há mais de 140 anos com todos os nossos dez vizinhos, fato único na História. Fato para, efetivamente, creditar ao Brasil o prêmio Nobel da Paz, mas isto incute nas elites brasileiras uma mentalidade de que estamos imunes aos conflitos ou aos atentados terroristas.

A Argentina também sentia este viver sem inimigos e tinha como presidente, nos anos 80, um descendente de família síria, há décadas ali estabelecida: Menem. Pois esse país foi vítima de dois atentados: na Embaixada de Israel em Buenos Aires e, depois, na Associação Mutual Israelita Argentina (AMIA), com mortos.

Poucos anos depois, a derrubada do World Trade Center, em 2001, inaugurou uma nova ordem internacional, com reflexos para o Brasil.

Antes disso, com o fim da Guerra Fria, os serviços de inteligência do mundo todo passaram a atribuir prioridade aos esforços na área de combate ao crime organizado, que inclui o terrorismo.

No caso brasileiro, este novo foco da atividade de inteligência precedeu, inclusive, a queda do Muro de Berlim, visto que os Constituintes de 1988 explicitaram que o repúdio ao terrorismo é um dos princípios que rege as relações internacionais do País (Art.4º, VIII) e que esse crime está listado entre os inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia (Art. 5º, XLIII).

Coerente com esta orientação, o Brasil é signatário das convenções da Organização dos Estados Americanos (OEA) e da Organização das Nações Unidas (ONU), dedicadas à prevenção e ao combate ao terrorismo e quase todas já ratificadas pelo nosso Legislativo.

Vocês devem estar pensando, afinal, qual foi o papel do nosso Gabinete de Crises da Presidência da República neste tema.

Como ponto de partida, sempre houve, ao menos, dois assessores desse Gabinete acompanhando, continuamente, os temas crime organizado e terrorismo.

Na manhã do dia 11 de setembro, ao vermos as imagens do atentado pela televisão, fomos, imediatamente, ao 3º andar do Palácio do Planalto para dar a notícia ao Ministro-Chefe do GSI, que estava em reunião com o Presidente. Ato contínuo, convocamos, por ordem do Presidente, o Conselho de Defesa Nacional para, às 15 horas desse mesmo dia, discutir e determinar as medidas extraordinárias que deveriam ser adotadas pelo Brasil para dar segurança à sociedade em nosso território, as quais foram adotadas de imediato.

Desde então, o Gabinete de Crises passou a articular com outros órgãos a busca de respostas às indagações: existe terrorismo no Brasil? Em suas vertentes doméstica e internacional?

Para isto promovemos, de acordo com nossa metodologia, vários seminários; aprendemos com especialistas do tema; colocamos o terrorismo na pauta de várias instituições, inclusive de ensino superior e produzimos, regularmente, em conjunto com órgãos parceiros, documentos sobre possibilidade de atentado terrorista no Brasil e sobre a atividade de contraterrorismo.

Devido à nossa vocação de articulação, o Gabinete de Crises liderou, também, alguns processos atinentes à temática de terrorismo.

A primeira foi nos juntarmos à preocupação internacional quanto a atentados terroristas, que foi com a proteção ao comércio, especialmente o marítimo (por onde fluem mais de 90% do comércio internacional brasileiro), liderada pelos Estados Unidos – foco dos atentados, via criação de medidas, tais como:

  • lei americana de Bioterrorismo, uma medida unilateral de segurança (“Bioterrorism Act”), que exigiu daqueles que quisessem exportar gêneros para consumo humano e animal nos EUA a realização de registro e de nomeação de representante legal nos EUA;
  • ações multilaterais ISPS Code (“International Ship and Port Facilities Security Code”), aprovado, em tempo recorde, na ONU, na Organização Marítima Internacional (IMO). O código criou uma rede internacional de comunicação e de controle para cooperação em inteligência e ações de contraterrorismo, além de credenciamentos, em medidas especiais de segurança, de navios e de portos exportadores, desde 2004. O Gabinete de Crises da Presidência do Brasil articulou a organização institucional dos diversos órgãos envolvidos e a implantação do ISPS Code nos dez maiores portos exportadores brasileiros.

Também a partir de 2004, o Gabinete passou a estudar, com apoio de outros órgãos, a proteção de nossas infraestruturas críticas, pelos riscos de falhas operacionais, em especial por causas intencionais, como as originadas de atentados terroristas.

Em 2006, coube ao Gabinete de Crises coordenar grupo de trabalho para elaborar anteprojeto de lei que aperfeiçoasse a tipificação do crime de terrorismo e de seu financiamento, conforme recomendações e tratados internacionais. Isto se fazia necessário porque, na nossa cultura jurídica, não há crime se não existe lei. O grupo contou com representantes de 13 órgãos.

Em 2010, o Comitê de Combate ao Terrorismo da OEA propôs ao Brasil realizar um jogo na carta para ajudar a avaliar os nossos procedimentos em caso de atentado terrorista. O exercício durou três dias e foi realizado no Centro de Jogos de Guerra da Escola de Guerra Naval.

O Gabinete de Crises chefiou a representação brasileira e contou com representantes de todos os órgãos federais e estaduais atinentes à segurança portuária e contraterrorismo. Foi uma excelente oportunidade para exercitarmos a nossa metodologia de gestão de crises e para testar o nosso Plano Nacional de Proteção de Portos e de Navios, com evolução de seus níveis de proteção. Foram, portanto, muitas as atividades voltadas para a prevenção da crise.

A conclusão de todas essas atividades é que não nos parece haver qualquer justificativa para que o Brasil, ou qualquer outro país, seja beneficiado por baixo risco de ação terrorista. Há, portanto, a necessidade de, continuamente, serem aperfeiçoadas as instituições de inteligência, de defesa e de segurança pública para enfrentar o que parece ser até inevitável: um atentado terrorista.

Alguns dos fatores positivos dentre os que contribuem para facilitar atividades terroristas: variedade de religiões, etnias e nacionalidades, que poderiam ajudar na presença de células e sistema bancário eficiente, de que podem se valer integrantes de entidades terroristas para remessas ao exterior.

Embora muitos detalhes tenham sido amplamente divulgados e discutidos ao longo dessas mais de duas décadas, ainda há descrédito quanto a alvos para atentados terroristas no Brasil, mas bastaria uma reflexão sobre alguns aspectos da ação terrorista no 11 de setembro para pensarmos seriamente nesse assunto.

Recordemos as imagens de pessoas pulando no vazio para escapar do fogo no WTC e que levaram 99 dias até que os incêndios no Marco Zero, onde ficavam as Torres Gêmeas, fossem completamente extintos.

São fatos pouco lembrados sobre um dos eventos mais impactantes da história contemporânea em que bastou um simples momento para que a vida nunca mais fosse a mesma para muitas pessoas e países.

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