Cunha Couto

Gestor de Crises

A crise da invasão de gafanhotos no Senegal

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Por que são necessários especialistas em temas internacionais nos gabinetes de crise? Porque rara será a crise sem uma dimensão internacional na atuação desses gabinetes.

Realmente, no período entre 1998 e 2012, em que trabalhamos no Gabinete de Crises da Presidência da República, poucas foram ativações desse gabinete que não lidaram com aspectos da área internacional.
Isto não significa que o Itamaraty tenha deixado de ser o principal órgão neste campo, mas, na maioria das vezes, as ações externas implicavam articulações domésticas, muitas delas complexas, como ocorre com frequência nas situações de crises.

Melhor explicando com um exemplo: à semelhança da mesma ameaça que, em 2020/21, afligiu o Sul do nosso continente, o Gabinete lidou, em agosto de 2004, com a ajuda brasileira ao Senegal no combate à praga de gafanhotos – um apelo do presidente daquele país africano, Abdoulaye Wade, ao presidente Lula da Silva.

Vale mencionar que não se tratava de uma atitude meramente solidária, pois houve precedente, em 1970, quando gafanhotos africanos, viajando nas correntes de ar de grande altitude, cruzaram o Atlântico e alcançaram a região amazônica. Ali, por sorte, a existência de predadores reduziram os danos, que se resumiram a trilhas de desmatamento causado pela voracidade desses insetos.

A solução, aparentemente simples, apresentada pelo Gabinete de Crises foi a doação de um avião “Ipanema” para espargir inseticidas e, assim, conter a ameaça do outro lado do oceano.

A operação consistiria, portanto, em comprar a aeronave, adquirir o equipamento dispersor de inseticida e trazer para o Brasil alguns pilotos senegaleses para qualificação na Fazenda Ipanema, em Iperó/SP.

Na prática, porém, evidenciaram-se muitas dificuldades: não havia disponibilidade, em médio prazo, da aeronave na fábrica, tampouco em segunda mão; os gastos só poderiam ser cobertos por medida provisória; a vinda de pilotos e de técnicos senegaleses obrigava uma cooperação técnica e de financiamento internacional, levada a cabo pela agência ABC/MRE; uma doação a outro país necessitava de manifestação do Congresso etc.
Todas essas condicionantes foram superadas, mas só 48 dias depois de iniciada a gestão dessa crise chegou a Dakar um C-130 da FAB transportando a aeronave “Ipanema”.

Essas dificuldades burocráticas só puderam ser resolvidas por existir um Gabinete de Crises na Presidência da República, com a tarefa de articular instituições para solução de crises.

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