Desde quando vim morar em São Paulo, vez por outra cruzo o túnel Vieira de Mello e isso sempre me faz recordar a atuação de nosso Gabinete de Crises da Presidência da República por ocasião da invasão do Iraque pelos EUA e os acontecimentos após essa crise, que nunca foi pacificada de todo.
Em 3 de janeiro de 2003, o presidente Lula recebeu um telefonema do presidente norte-americano Bush, que estava informando aos mandatários dos quinze países que, então, se alternavam na presidência mensal do Conselho de Segurança da ONU, sobre a intenção de os EUA invadirem o Iraque.
Nosso presidente, que assumira o cargo dois dias antes, determinou que apresentássemos, no dia 6 de janeiro, aos ministros do nosso Conselho de Defesa Nacional, as consequências daquela ação militar.
Após reflexões coletivas, apresentamos nessa reunião os equilíbrios que estariam sendo rompidos em relação aos acordados desde a primeira invasão do Iraque sob a presidência de Bush pai (1989/1993), além dos impactos e das oportunidades para o Brasil.
Dois meses depois dessa reunião, essa polêmica operação militar liderada pelos Estados Unidos e transmitida ao vivo, teve início em 20 de Março de 2023 e conseguiu subjugar rapidamente o regime de Saddam Hussein, mas foi seguida por uma longa contrainsurgência e uma polarização política que desencadeou uma instabilidade tal que se mantém até os dias de hoje, não apenas dentro do Iraque, mas em todo o Oriente Médio.
Para se ter uma ideia, na semana que se seguiram aos ataques de 11 de setembro de 2001, Bush alcançara os maiores índices de aprovação já registrados para um presidente dos Estados Unidos ( 91%, de acordo com pesquisa Gallup). No entanto, sua forma de lidar com a guerra do Iraque – especialmente a morte de mais de quatro mil soldados americanos, segundo dados do Departamento de Defesa dos EUA – fez com que Bush encerrasse seu mandato, em 2009, como o presidente dos EUA menos popular da história.
Para justificar a invasão, os Estados Unidos divulgaram que o Iraque possuía armas de destruição em massa (termo usado para descrever armas nucleares, biológicas e químicas e mísseis balísticos de longo alcance) e, por esse motivo, era uma ameaça à paz internacional.
Depois da invasão, inspetores de armas da ONU e da Autoridade Internacional de Energia — que haviam ido ao Iraque em 2002 — realizaram mais trabalhos para encontrar evidências de armas de destruição em massa e não as encontraram.
As situações foram evoluindo mal até que chegamos ao dia 19 de agosto de 2003, que entrou para a história da ONU como um dos momentos mais dramáticos de sua existência.
Foi quando, há 20 anos, terroristas detonaram uma bomba em frente à sede das Nações Unidas, no Canal Hotel, em Bagdá, em ataque direcionado especificamente contra a ONU. Entre os 22 funcionários mortos estava Sérgio Vieira de Mello, que ali servia como representante especial do Secretário-Geral da ONU no Iraque, com a missão de ajudar a reconstruir aquele país.
Essa explosão não apenas colocou fim à carreira do brasileiro Vieira de Mello, mas brasileiro Vieira de Mello, mas expôs a manipulação da ONU pelas grandes potências. E foi por essa razão que a ONU havia se transformado em alvo de terroristas, pela percepção de que estava chancelando as ações de Bush.
Para o articulista Jamil Chade, esse episódio foi o fim da “era da inocência” da instituição, que acreditava ainda ter um acesso privilegiado a zonas de guerra e uma imagem de neutralidade em conflitos pelo mundo. A ONU e trabalhadores humanitários de organizações como a Cruz Vermelha e ONGs passaram, desde então, a ser alvo de constantes ataques.
Koffi Annan reagiria só em 2004, chamando a guerra de “ilegal”. Como retaliação, o governo americano revelou corrupção dentro da ONU, e a marginalizou, na prática, das grandes decisões mundiais, por anos.
Baseada nesse ataque à sua sede no Iraque, a ONU instituiu a data de 19 de agosto como o Dia Mundial Humanitário, uma homenagem aos agentes que percorrem os locais mais perigosos do mundo para salvar a população civil.
“O Dia Mundial Humanitário e o atentado em Bagdá serão sempre uma ocasião de emoções mistas e ainda cruas para mim e para muitos outros”, disse o chefe humanitário da ONU, Martin Griffiths. “Os agentes humanitários continuam com seu compromisso de atender às comunidades, não importa quem, não importa onde”. A campanha ganhou o hashtag #NoMatterWhat.