Cunha Couto

Gestor de Crises

Tordesilhas

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Em 7 de junho de 1494, Portugal e Castela assinaram o Tratado de Tordesilhas e, com caneta e papel, dividiram o mundo ao meio — um símbolo da ousadia das potências ibéricas.

Essa linha imaginária, traçada a 370 léguas de Cabo Verde, não era apenas um acordo diplomático: representava a demonstração da supremacia europeia diante de um planeta repleto de povos, culturas e territórios milenares. Como se fossem herdeiros do testamento de Adão, os monarcas ibéricos decidiram quem teria direito a terras “descobertas e por descobrir”, ignorando solenemente todos os que já viviam nelas.

A justificativa foi a chegada de Cristóvão Colombo ao Novo Mundo. Portugal moveu-se rápido e, numa ação diplomática, rejeitou a bula papal Inter Coetera, que favorecia Castela, pressionando até conseguir o tratado que considerava mais equilibrado. Assim, garantia o Atlântico Sul e, mais adiante, a posse do Brasil.

Na prática, porém, o tratado era quase impraticável, por esbarrar em limitações técnicas da época. Não havia instrumentos capazes de definir com precisão a linha estabelecida; a própria medida das léguas variava entre os reinos; e, além disso, havia incerteza sobre o tamanho da Terra. Ainda assim, ele foi usado para legitimar conquistas e consolidar a expansão colonial.

O rei Francisco I da França foi direto ao ponto: “Onde está, no testamento de Adão, que o mundo foi dividido entre Portugal e Espanha?”. A pergunta atravessou séculos com sua ironia.

Para alguns historiadores, o Tratado de Tordesilhas representa o início de uma ordem internacional baseada na exclusão e na força. Mais que um pacto diplomático, foi um marco do imperialismo europeu nascente. Um documento que, sob o verniz da legalidade, institucionalizou a partilha do mundo segundo interesses coloniais.

Hoje, sua análise deve ir além da cronologia: trata-se de compreender como a sede por domínio territorial moldou o mundo moderno e impôs fronteiras, conflitos e cicatrizes que ainda persistem. Mais do que um acordo entre reinos, Tordesilhas foi a institucionalização do etnocentrismo europeu. E suas consequências, para o bem e para o mal, ainda desenham mapas, identidades e desigualdades.

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