Foram tantas as crises vividas em 2023 que parecia que o ano não terminaria. O ano começou com a crise do 08 de janeiro no Brasil e está encerrando com a de Venezuela x Guiana, que poderá levar à terceira guerra em atividade em nosso planeta.
Resumo aqui algumas das crises que marcaram 2023. Os textos completos você pode consultar aqui mesmo no blog.
Atos de 8 de janeiro
Os ataques aos prédios sedes dos Três Poderes, perpetrados em 8 de janeiro, se inserem nas situações complexas próprias da perspectiva de gestão de crises no mais alto nível estratégico, pois, ao se instalarem, colocam em xeque a governabilidade e a governança das Instituições.
É quando surge a todos a pergunta: “o que o Governo fará?”.
Alguns governos não conseguem sair dessas crises, e caem.
Felizmente, nossas instituições resistiram!
A governabilidade nessa situação de crise é um aspecto que sempre preocupa.
Uma definição nos diz que Governabilidade é a capacidade de gerir os negócios, arbitrar os conflitos e atender às demandas da sociedade e dos clientes.
Ajudar a manter esta capacidade gerencial é algo muito próximo do que se imagina ser o trabalho de gerenciamento de crise.
Foi com essa percepção que os sinais de crise de governabilidade se fizeram presentes após a invasão dos prédios e a destruição ocasionada. A governabilidade estava em xeque.
Diante dessa grande manifestação popular, estava sendo colocada à prova a eficiência do gerenciamento governamental, a legitimidade das instituições, a manutenção da ordem pública e o apoio político.
Como era de se esperar, foram feitas comparações desse episódio com a invasão ao Capitólio norte-americano, em 06/01/2021. De há muito tempo, parecia que estávamos usando o “manual de Trump”, no entanto, o mais grave foi que importamos dos EUA o terrorismo doméstico.
É certo que não há Democracia sem oposição, o que é saudável.
Manifestações com grande número de participantes tendem a ter modificada sua atuação, fugindo ao controle de seus organizadores.
Como as informações sobre o número de manifestantes eram distorcidas, isso levou a não ser possível uma atuação preventiva, que qualquer Gabinete de Crises sugeriria, em vista do risco crescente.
E, ainda por cima, as imagens das depredações foram expostas muito além das redes sociais nacionais, alcançando o exterior e assim elevando o risco de fugas de capital.
Foi muito importante o papel das comunicações, da imprensa e das mídias sociais nessa crise.
Mais uma vez, comunicação em crise foi a comunicação dos dois lados com seus públicos estratégicos (antes, durante e após a crise), alterando a percepção das pessoas e a postura dos atores envolvidos.
Com muitos seguidores, influenciadores digitais encorajaram a prática dos crimes cometidos, afastando-se dos preceitos da liberdade de expressão e da manifestação pacífica.
Observou-se também o fenômeno da “infodemia”: fluxo excessivo de informações, oriundas de fontes não confiáveis.
Por outro lado, a boa comunicação da mídia profissional permitiu diminuir os impactos da crise, reduzir os danos à imagem do país e limitar a duração da crise.
A Finlândia na OTAN e o fim de sua neutralidade
No dia 04 de abril, deu-se oficialmente a entrada da Finlândia como o 31º membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), representando um novo posicionamento geoestratégico desse país com o Ocidente.
Afinal, foi o fim de uma política de neutralidade que visava a evitar conflitos com a Rússia, com quem a Finlândia compartilha 1.340 quilômetros de fronteira.
Os grãos da Ucrânia e a crise na União Europeia
No momento em que não houve a renovação do acordo intermediado pela ONU e pela Turquia que permitia, em meio ao conflito com a Rússia, que navios com grãos pudessem deixar os portos ucranianos, alguns países- chaves europeus interromperam a importação desses grãos.
Recordemos que esse acordo, que expirou no dia 18 de maio, permitia o transporte de grãos pelo Mar Negro com o propósito de mitigar a escassez global de alimentos, com ênfase nos países africanos.
Fechada essa via marítima à Ucrânia, o seu comércio de grãos limitou-se às rotas terrestres, atravessando os países europeus.
Ocorreu que, alegando excesso de ofertas e problemas logísticos, além de pressão dos agricultores locais, Eslováquia, Polônia e Hungria interromperam as importações de grãos da Ucrânia.
Desastres naturais
A tragédia ocorrida no sábado do Carnaval de 2023, no litoral Norte de São Paulo, nos remeteu à importância da cultura de prevenção de crises em nosso país.
Aliás, prevenção é a principal função de qualquer Gabinete de Crises.
Um dos mitos mais caros aos brasileiros é o de que nossa terra é abençoada por não sermos castigados por terremotos, tsunamis e vulcões. A força desse mito resiste até mesmo a fatos, como o de quase uma centena de mortes causadas pelo desastre natural ocorrido no litoral de São Sebastião.
Meteorologistas apontaram a junção de umidade, ventos de ciclone e uma frente fria estacionada como responsável pela chuva anormal.
Isso é verdade, mas pesquisas nos têm mostrado que as mudanças climáticas e a degradação ambiental continuam sendo os grandes causadores das enchentes em nossas cidades.
Em 2023, as chuvas também castigaram o Rio Grande do Sul.
Recordemos também o terremoto de Marrocos, com mais de 2.800 mortos e a tempestade Daniel que causou uma catástrofe na Líbia, com mais de 11 mil mortos.
Os desastres naturais se vão, mas o impacto das mortes fica.
As manchetes sobre tempestades, enchentes, terremotos nos trouxeram alertas que muitos já consideram ser o novo normal em nosso planeta. Esses alertas não podem continuar sendo ignorados.
O conflito na Ucrânia e a crise de isolamento da Rússia
Para um mundo conectado como o de hoje, não é simples ser isolado, mais ainda por sofrer sanções econômicas.
No caso da Rússia, essa situação lhe tem sido crítica.
Apesar de todas as sanções econômicas que lhe foram impostas, a Rússia tem sobrevivido graças à exportação de gás para a Europa.
Após a II Guerra Mundial, em 1949, Mao Tse Tung foi a Moscou para pedido de ajuda e de parceria e Stalin só lhe fez vagas promessas.
Em 2023, a situação se inverteu, pois Putin depende de Xi Jinping para a compra de gás e de petróleo russos.
A crise da fome persiste
Jesus Cristo, ao ver uma multidão faminta, encheu-se de compaixão e realizou o milagre da multiplicação dos cinco pães e dos dois peixes e pediu aos seus discípulos:” dai-lhes vós mesmos de comer”.
Era a inspiração para promovermos uma sociedade mais justa, igualitária, solidária e, especialmente, sem fome.
O fato de, pela terceira vez desde 1975, a Campanha da Fraternidade em 2023 ter voltado a abordar a fome nos mostra o fracasso das políticas públicas brasileiras para erradicar esse flagelo em nossa sociedade.
No Brasil, há 70,3 milhões de pessoas vivendo insegurança alimentar, ou seja, quase um terço de nossa população. Choca-nos, ainda mais, pelo nosso país ser grande exportador de grãos e de carnes.
No mundo, há uma multidão de famintos. De acordo com a ONU, ao final de 2022 havia cerca de 735 milhões de pessoas enfrentando a fome crônica. Caribe e África são as regiões mais preocupantes.
Esses números cresceram muito nos últimos quatro anos devido à pandemia da Covid-19, mas também por causa de secas e de enchentes, além de conflitos entre países.
Respostas emergenciais se fazem urgentes! Uma só vida em perigo por fome já as justificaria, quanto mais milhões!
Ártico: as crises no novo espaço de disputa geopolítica
Essa região vem ganhando destaque no cenário internacional, que passou a ser disputada devido às expectativas para sua exploração de petróleo e gás. Há interesse dos países no Ártico, onde projetos de cooperação coexistem com rivalidade militar.
Recordemos que o Círculo Ártico está sob a jurisdição de oito países: Noruega, Suécia, Finlândia, Rússia, Estados Unidos, Canadá, Dinamarca e Islândia. Juntos, esses países formam o Conselho do Ártico, órgão que toma decisões permeadas por interesses econômicos e políticos entre países e povos originários da região.
Ocorre que o progressivo derretimento das geleiras do Ártico deve possibilitar a exploração de petróleo e gás e o uso de novas rotas marítimas. Essa exploração, no entanto, aumentaria os riscos ao ecossistema regional.
Pedágio nos rios Paraná e Paraguai: crise no Mercosul
Vitais para exportações da Bolívia e do Paraguai, os rios Paraguai e Paraná conectam cinco países sul-americanos ao Oceano Atlântico.
São, portanto, hidrovias fundamentais para a navegação marítima e para as economias dos Estados-membros do Mercosul e da Bolívia.
Ao início de 2023, a cobrança de pedágios no trecho argentino do rio Paraguai por parte da Administração Geral de Portos (AGP) da Argentina foi implementada unilateralmente, com uma tarifa de US$ 1,47 por tonelada transportada por embarcações internacionais que cruzam esse trecho, encarecendo o preço dos produtos que são transportados pelo rio.
A Argentina descumpriu o Tratado de Assunção, constitutivo do Mercosul, em que há o livre comércio e a livre navegação dos rios da América do Sul por seus membros.
Fim da emergência internacional da Covid-19, mas não de sua ameaça
No dia 5 de maio, a Organização Mundial de Saúde (OMS) anunciou que o Sars-CoV-2 não representava mais uma ameaça sanitária internacional.
Isso se referiu só ao ponto final da emergência global, pois, como ocorreu com a Aids, a Covid-19 continuará sendo uma ameaça à saúde mundial.
Durante seu anúncio, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom, emocionado, falou que não precisava ter sido como foi e que já temos que nos preparar melhor para detectar e atenuar os impactos das futuras pandemias, o que só será possível com coordenação, solidariedade e equidade.
Trata-se de um alerta importante, após três anos da Covid, em que nos ficou claro que fracassamos como comunidade internacional para lhe fazer frente.
Os números oficiais de mortes reportados à OMS passam de 7 milhões (700 mil no Brasil) e as desigualdades ficaram mais visíveis, principalmente pelas dificuldades de acesso a vacinas e a informações confiáveis.
ONU/2023 e as principais crises globais
Das muitas notícias recebidas dos discursos e reuniões bilaterais havidas na Assembleia-Geral da ONU, destaco três temas que se apresentaram como crises globais: mudanças climáticas, desigualdade e a busca pela paz.
Lá estavam chefes de Estado e líderes mundiais de 193 países que, com suas visões estratégicas e poder de decisão, deveriam direcionar soluções para essas crises. Será que o farão?
HAITI: um país em crise contínua
Desde o terremoto havido em 2010 à atual escalada da violência pelas gangues, o Haiti vem pedindo socorro internacional.
No dia 12/01/2010, um terremoto golpeou a nação mais pobre do continente, resultando em cerca de 300 mil mortos.
Em 2017, ao fim de 13 anos, a Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (MINUSTAH), retirou-se do país depois de ter tentado pacificá-lo, após a violência gerada pela partida do presidente Jean-Bertrand Aristide.
Agora, em 2023, no pós pandemia, em que seria necessário o retorno à vida normal da população, eis que o Haiti vive grave crise de segurança pública com a ação de gangues que, nos últimos anos, foram responsáveis por desestruturar a política do país em decorrência do assassinato do então Presidente Jovenel Moïse, em 2021.
Privatização da guerra
Mercenários sempre estiveram nas guerras. Em versão moderna, Estados Unidos e Rússia, por exemplo, vem se valendo de contratos com empresas militares privadas (EMP) que lhes vendem todo e qualquer serviço para guerra, como ocorreu na Síria, no Iraque e no atual conflito na Ucrânia.
Claramente, nas últimas décadas, tem-se visto emergir um novo ator internacional no que diz respeito à segurança dos Estados: as EMP, que, ao serem contratadas, vão contra a ideia de que os Estados devem recorrer às suas Forças Armadas (FFAA) para se defenderem. Quando é interessante ao Estado, as EMP o substituem.
Inteligência Artificial : crises e oportunidades
Sempre que surgem novas tecnologias, duas perguntas permeiam o noticiário:
– Como podem deflagrar crises, em função de seus riscos inerentes?
– Como nos beneficiarmos delas para solução de crises?
Exemplo clássico é o da tecnologia nuclear: ela nos traz à memória seu uso na destruição de Hiroshima e Nagazaki, mas, por outro lado, a utilizamos no fornecimento de energia e no diagnóstico e tratamento de câncer.
Como foi uma tecnologia desenvolvida por governos, eles mesmos, diante da tragédia ocorrida, resolveram criar controles coletivos para refrear a proliferação.
Já no caso da IA, ela foi criada por empresas privadas, competitivas e avessas a regulações, e, diferentemente da nuclear, com aplicação em todos os campos.
Em ambos os casos, a tecnologia pode ser arma ou ferramenta e, por isso, a necessidade de se ter uma regulação de forma a se ter as mesmas regras para todos os países e empresas. É um desafio universal!
Fenômeno El Niño e aquecimento global juntos
No início de julho, por sucessivos dias, foram batidos recordes da temperatura da Terra: sim, nosso planeta chegou acima de 17ºC.
Antes, o ano mais quente havia sido 2016 (com 16,92ºC), justamente quando se observou a maior intensidade do El Niño.
Até a Antártida, o continente gelado, sofre com essas temperaturas anormais e, como também ocorre nos mares Árticos, a extensão do gelo marinho foi a menor desde 1979, quando se iniciou sua medição.
Neste 2023, a temperatura do Pacífico voltou a subir, após três anos de resfriamento com o fenômeno oposto: La Niña.
Crescimento populacional
Segundo projeção da ONU, a Índia se tornou o país mais populoso do mundo, confirmando que a população da China vem reduzindo, mas ambos os países contam com mais de 1,4 bilhão de habitantes.
Portanto, juntos, Índia e China somam mais de um terço dos oito bilhões que habitam a Terra.
Na sequência, completando os dez com maior número de habitantes, aparecem Estados Unidos, Indonésia, Paquistão, Nigéria, Brasil, Bangladesh, Rússia e México.
Se somarmos apenas Índia, Paquistão, Bangladesh e Indonésia, teremos 2,2 bilhões de pessoas, com taxas de crescimento constante.
Isso significa mais consumidores de recursos naturais, com elevação de consumo per capita devido à elevação de poder aquisitivo.
Esta elevação, por sua vez, leva a menores taxas de mortalidade que pode aumentar taxas de crescimento populacional.
Quando esses contingentes populacionais atingirem a metade do atual consumo de recursos naturais e energia dos países desenvolvidos, haverá recursos para todos? Se houver, haverá sustentabilidade ambiental?
Sim, a escassez sempre gera guerras e estas sempre diminuem a população. Esperemos que entendamos os nexos causais do problema e adotemos as soluções adequadas ao problema.
Prevenir crises é mais barato
Temos escrito constantemente sobre a importância da prevenção da crise.
Prevenir é a tarefa principal de qualquer gerenciamento de crise. Todo o esforço de trabalho de um Gabinete de Crises é para que a crise seja solucionada nesta etapa do processo.
Portanto, a medida de sucesso de um Gabinete de Crise está no número de vezes em que se conseguiu prevenir a eclosão da crise. Gerenciar a crise nos mostra que o gerenciamento da crise falhou.
Na tragédia das enchentes no litoral Norte de São Paulo, dados de reportagem do jornalista Carlos Madeiro demonstram o quanto mais econômico é investir na prevenção.
Madeiro ressaltou que, de 2013 a 2022, o Governo Federal gastou com ações de recuperação e resposta às tragédias no país 69% dos recursos de defesa civil destinados à gestão de riscos e desastres e só 31% em prevenção, de acordo com dados do Tribunal de Contas da União (TCU).
Foram R$ 5,9 bilhões para evitar e R$ 13,4 bilhões para consertar.
Violência nas escolas
Quando as causas das crises não são consideradas, as crises retornam em contextos diferentes e, muitas vezes, agravadas. E para crises complexas, as soluções não podem ser simples
Numa escola estadual da zona oeste de São Paulo, quatro professoras e dois alunos foram esfaqueados em 2023 por um adolescente de 13 anos. A Professora Elisabeth Tenreiro, de 71 anos, por amor e por necessidade ainda em sala de aula, foi esfaqueada cinco vezes e não resistiu aos ferimentos.
Mais uma tragédia dentro de uma escola, local que necessita de paz para o aprendizado e onde se aprenderia a rechaçar a reprodução de estruturas sociais violentas.
Elevação da tensão entre EUA e China
O balão que apareceu nos céus do estado americano de Montana, onde estão silos de mísseis balísticos nucleares intercontinentais, era, na avaliação dos Estados Unidos, um objeto chinês de espionagem.
Para a China, o balão nada mais era que um instrumento meteorológico que desviou da sua rota e viajou até o território americano. Segundo os chineses, a rota desse tipo de balão não pode ser controlada.
Ambas as declarações contribuíram para aumentar o estresse na relação entre as duas maiores potências mundiais.
O momento já estava tensionado com o vazamento de um estudo de R. Evan Ellis, pesquisador e professor do Latin American Studies Atthe U.S. Army War College Strategic Studies Institute, em que era prevista uma guerra entre as duas potências em 2025.
Violência urbana
O tema da violência urbana ocupou manchetes e espaço para muitas sugestões em 2023 que me parecem simples para um problema tão complexo.
Quem ou o que causa violência?
Poucas indagações serão capazes de produzir tantas respostas divergentes por cidadãos em qualquer das metrópoles brasileiras com altos índices de criminalidade.
De um lado, a resposta mais comum indica o tráfico de drogas como causa, com os crimes como frutos, direta ou indiretamente, do narcotráfico.
Outros tendem a ver a causa em fatores diversos, como a pobreza, a desigualdade, a injustiça social, o baixo nível de educação, a perda de valores, a dissolução da família, a impunidade, a baixa qualificação das forças policiais, o inchaço das cidades pelo êxodo rural etc.
Uma quantidade tão grande de diagnósticos termina sendo motivo de inação, pois como atacar o problema diante de tantas causas plausíveis para violência urbana?
Igualmente importante, a quem cabe dar uma resposta?
Ao governo estadual, que, pela Constituição de 1988, é o responsável pela segurança pública? Ao município, que detém o conhecimento pormenorizado da realidade local? Ao governo federal que, da distante Brasília, pode impor suas razões por meio de capacidade orçamentária?
Israel-Hamas: guerra x verdade
É conhecida a frase, atribuída ao filósofo grego Esquilo: “numa guerra, a primeira vítima é a verdade”.
É também famosa a frase que o senador Hiram Johnson proferiu em um discurso no Congresso Americano, em 1917, em plena Primeira Guerra Mundial: “quando chega a guerra, a verdade é quem morre primeiro”.
O linguista William Lutz corrigiu seu compatriota, num editorial de 1991: “na guerra, a primeira vítima é a linguagem; e com a linguagem vai a verdade”.
Portanto, sabemos isso há muito, e a guerra (ou conflito) sobre a verdade na guerra Israel-Hamas não é exceção, com ambos os lados se privando de toda a verdade.
As imagens positivas e negativas de ambos os atores vêm se alternando, colocando-os como vítima ou como vilão.
Em 7 de outubro, no ataque terrorista do Hamas no território israelense, todos estavam a favor e solidários a Israel.
A opinião pública foi mudando, com a reação desproporcional (mesmo apoiado pelo direito de defesa de Israel), com inúmeros bombardeios sobre Gaza, registrando, até o início de novembro, mais de dez mil palestinos mortos (sete vezes o número de israelenses vitimados no ataque do Hamas), quase metade sendo de jovens e crianças.
A Diplomacia e as crises internacionais
Em meio à guerra Israel-Hamas, a Diplomacia, enfim, ocupou seu lugar na mídia, mercê de sua intensa atividade, especialmente nos fóruns da Organização das Nações Unidas (ONU) e nas comunicações bilaterais.
Diferente de outras ocasiões, assistimos, no dia a dia dessa guerra, o exercício da Diplomacia em tempo real e vimos como é relevante a noção do tempo diplomático diante de situações bastante críticas, exigindo cautela, na maioria das vezes, até que as narrativas presentes sejam esclarecidas. E como há narrativas! Cada lado tem a sua verdade.
Basta um passo em falso, uma declaração mal compreendida, uma resposta açodada e o conflito se agrava.
Foi o que ocorreu quando, à medida que a situação conflituosa corria o risco de se agravar e extrapolar a região do Oriente Médio, o Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, apelou à ajuda humanitária e a um cessar-fogo imediato, mas essa proposta e outras foram vetadas por impasses entre Estados Unidos e Rússia no Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU).
Em seguida, a ONU virou alvo da guerra: o embaixador israelense cobrou a renúncia do secretário-geral António Guterres, alegando que ele não estaria apto a liderar a entidade.
O que se depreendeu dessa posição agressiva foi que, para o governo Netanyahu, os ataques em Gaza não devem dizer respeito à comunidade internacional.
Evacuação de não combatentes
Em meio à crise Hamas-Israel, o sucesso dos resgates de brasileiros da área de conflito, transportados de volta ao Brasil por aeronaves da Força Aérea Brasileira (FAB), foi uma ótima notícia em meio a tanto sofrimento.
Para muitos, a repatriação significou felicidade.
Pode parecer uma operação simples, mas cada uma dessas operações envolve outras três ou quatro, também com planejamento e execução premidos pelo tempo.
É muito difícil precisar quantos brasileiros residem ou estão viajando no exterior. Essa diáspora de brasileiros é estimada em cerca de três a cinco milhões de pessoas, dos quais, segundo o Itamaraty, existem cerca de 14 mil brasileiros residentes em Israel e 6 mil vivendo na Faixa de Gaza.
Assim sendo, em todo caso de conflito bélico ou de catástrofe natural, podem existir brasileiros em necessidade de serem retirados de quase todas as regiões do planeta.
Vinicius Jr e o racismo
Quando as suas causas não são resolvidas, as crises vão-se repetindo e ficando mais complexas.
É o caso das manifestações racistas de torcedores contra o nosso Vini Jr, jogador brasileiro, preto, nascido em comunidade do Rio de Janeiro, e destaque do Real Madrid, sendo um dos dez melhores jogadores do mundo na atualidade.
A causa dessa crise é o racismo, bastante estruturado em algumas coletividades e mesmo sociedades, e que tem consequência que não é resolvida por simples comunicados ou algumas prisões (sim, por ser crime).
Há que se investir contra arraigados hábitos de comportamento coletivo, com imposição de forte mudança cultural e de educação, antirracista.
Crise Venezuela-Guiana
Essequibo é parte importante do território total da Guiana (corresponde a 75% da sua área produtiva) e uma região que a Venezuela deseja anexar.
Trata-se de uma crise muito estruturada que envolve dois países em nossa fronteira Norte e, portanto, em nossa área de influência estratégica, colocando em xeque a nossa Diplomacia.
Por um lado, a Guiana apela para uma sentença arbitral de 1899 que estabeleceu as fronteiras atuais; por outro, a Venezuela reivindica o Acordo de Genebra, assinado em 1966 com o Reino Unido antes da independência da Guiana, que anulou a sentença e estabeleceu bases para uma solução negociada.
O fato novo nessa situação conflitiva foi a descoberta de campos de petróleo na região de Essequibo, em 2013, fazendo com que a Guiana tivesse um crescimento econômico de mais de 40%, em 2022, despertando a atenção internacional para essa área.
Não seriam campos que interessariam à Exxon Mobil ou à Shell? Ainda mais aproveitando esta janela de fim de uso de combustíveis fósseis, enquanto durar a transição energética?
Nessa crise, há os que entendem que “não há vazio de poder” e que “espaço desocupado é espaço ocupado”, indicando que o Brasil não deveria abrir mão de exercer sua natural liderança regional nessa questão.