A tecnologia de RNA mensageiro (mRNA), que sustenta as vacinas da Pfizer/BioNTech e da Moderna contra a Covid-19, rendeu o prêmio Nobel de Fisiologia e de Medicina para a bioquímica húngara Katalin Karikó e o médico norte-americano Drew Weissman.
Karikó nasceu na Hungria em 1955, trabalha na farmacêutica BioNTech e é professora da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, onde Weissman também atua, tendo estudado imunologia e microbiologia durante sua formação.
Ainda que os testes clínicos com as primeiras vacinas de mRNA tenham começado no início dos anos 2000, a comunidade científica esperava que as primeiras versões comercialmente disponíveis, aprovadas pelas agências regulatórias, só chegassem ao mercado em meados de 2025.
Até que veio a Covid-19 e tudo mudou.
Diante da pandemia da Covid-19, graças a essa tecnologia, vacinas começaram a chegar ao mercado em tempo recorde.
Não há dúvidas de que as vacinas foram a principal arma imunizante contra o novo coronavírus; no entanto, a pandemia nos deixou claros vários riscos, como a dependência excessiva de importações de insumos médicos de poucos fornecedores.
Competição e pouca colaboração
Em setembro de 2020, o presidente Vladimir Putin anunciou o registro da primeira vacina contra a Covid-19, fazendo naquele pronunciamento uma alusão à corrida espacial disputada com os Estados Unidos no século XX.
Por esse motivo, a vacina, num sentido geopolítico, recebeu o nome de Sputnik V, nos recordando do primeiro satélite artificial.
De semelhante, vimos nos dois casos (nas corridas pela vacina e na espacial) pequena colaboração internacional, com pouca ajuda entre os países.
Nessa disputa pela vacina contra a Covid-19, se fez presente uma competição tecnológica e comercial, envolvendo não apenas as potências, mas também países como a Índia, a Alemanha, o Japão, a Coreia do Sul, Emirados Árabes e outros, gerando-se uma Geopolítica da Pandemia, em que o destino comum dos povos estava em jogo, requerendo, mais do que nunca, liderança mundial.
Foi quando se percebeu a ausência de líderes mundiais com capacidade e energia para exercer uma liderança global em um momento de tantas transformações.
A ameaça continua…
Enfim, depois de anos com tantas perdas humanas, chegamos ao fim da emergência internacional da Covid-19, mas não de sua ameaça.
No dia 5 de maio de 2023, a OMS anunciou que o Sars-CoV-2 não representava mais uma ameaça sanitária internacional. Isso foi só o ponto final da emergência global, pois, como ocorreu com a Aids, a Covid-19 continuará sendo uma ameaça à saúde mundial.
Durante seu anúncio, o Diretor-Geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), Tedros Adhanom, emocionado, falou que não precisava ter sido assim e que já tínhamos que nos preparar melhor para detectar e atenuar os impactos das futuras pandemias, o que só será possível com coordenação, solidariedade e equidade.
Trata-se de um alerta importante, após três anos da Covid, em que nos ficou claro que fracassamos como comunidade internacional para lhe fazer frente. Os números oficiais de mortes reportados à OMS passaram de 7 milhões (10% no Brasil – 700 mil) e as desigualdades ficaram mais visíveis, principalmente pelas dificuldades de acesso a vacinas e a informações confiáveis.
A Covid-19 impactou fortemente as nossas rotinas de saúde, educação e trabalho, e não devemos nos esquecer de que são apenas algumas das muitas consequências dessa pandemia.
Recordemos que, em 2015, Bill Gates, em Ted Talk, falou que o maior risco mundial não era o nuclear, mas o de uma pandemia. E justificou: investimos muito mais em prevenção a um ataque nuclear do que em um sistema que detenha um vírus com potencial de provocar uma pandemia. Foi profético.
Precisamos agora, portanto, nos preparar para a próxima pandemia, que já pode estar no horizonte.
O próximo passo para o mRNA é que ele seja usado para desenvolver vacinas contra outras doenças infecciosas. Vamos torcer.
Portanto, neste momento de júbilo pelo merecido Nobel de Medicina e início do pós-crise da Covid-19, em que estamos vivendo a transição do modo de emergência para o de gerenciamento do Coronavírus-2, bem como o de outras doenças infecciosas, é vital aos países compreender que essa volta à vida normal impõe constante aperfeiçoamento de seus sistemas de saúde para que sejam capazes de lidar com evoluções de vírus e de dar acesso e atendimento universal às suas populações.