Em 3 de janeiro de 2003, o presidente dos Estados Unidos telefonou ao presidente do Brasil — então membro não permanente do Conselho de Segurança da ONU — para avisar que a invasão do Iraque era iminente. Poucos dias depois, em 6 de janeiro, o Gabinete de Crises da Presidência apresentou, em reunião ministerial, cenários prováveis, riscos geopolíticos, possíveis rupturas do equilíbrio internacional e oportunidades para o Brasil diante do conflito que se aproximava.
No dia 5 de fevereiro de 2003, Colin Powell, Secretário de Estado norte-americano, protagonizou um dos discursos mais impactantes — e posteriormente mais controversos — da história do Conselho de Segurança da ONU. Powell exibiu mapas, interceptações telefônicas, imagens de satélite e até um pequeno frasco simbólico de antraz, alegando que Saddam Hussein possuía estoques ativos de armas químicas, laboratórios móveis de armas biológicas e tubos de alumínio destinados ao enriquecimento de urânio. Também sustentou haver vínculos operacionais entre o regime iraquiano e a Al-Qaeda. A credibilidade pessoal de Powell, considerado o moderado do governo Bush, conferiu enorme peso internacional às alegações, amplificadas pela mídia global e convertidas rapidamente em consenso.
A invasão, contudo, expôs a fragilidade — ou manipulação — dessas “provas”. Investigações posteriores do Senado dos Estados Unidos confirmaram que não existiam arsenais de armas químicas ou biológicas operacionais no Iraque. Os supostos laboratórios móveis eram baseados em informações falsas fornecidas por um informante desacreditado. A narrativa sobre o programa nuclear foi desmontada, e nenhuma ligação estrutural entre o regime de Saddam Hussein e a Al-Qaeda foi comprovada. A hipótese mais aceita é que parte das informações tenha sido manipulada por setores da CIA e pelo gabinete do vice-presidente Dick Cheney.
Anos depois, Colin Powell admitiu sentir-se devastado ao reconhecer que seu discurso, que ajudou a legitimar a guerra, baseava-se em informações falsas — uma mancha irreparável em sua trajetória. Mas o dano já estava feito: o Iraque foi invadido, Saddam Hussein foi executado, e centenas de milhares de civis e militares morreram ou ficaram feridos.
No balanço final, o episódio revela como consensos midiáticos, quando alimentados por narrativas fabricadas ou precipitação estratégica, podem empurrar nações inteiras para tragédias evitáveis. É um alerta permanente sobre o poder destrutivo da desinformação — sobretudo quando nasce no centro das decisões de Estado.