A falsa lenda e a verdadeira lição.
Por muito tempo, acreditei naquela lenda de que “crise”, em chinês, é representada por dois ideogramas que significam “risco” e “oportunidade”. Como muitas mentiras, ela é encantadora e altamente atraente para o início de uma apresentação.
Repetia-se com convicção essa ideia. A tese, embora linguística e culturalmente imprecisa, caiu no gosto de consultores e oradores motivacionais, servindo como um poderoso recurso retórico. Mas, como tantas narrativas encantadoras, essa também se sustenta mais no apelo emocional do que na exatidão dos fatos.
Foi o linguista Sérgio Rodrigues, em coluna publicada em 2011, quem ajudou a desfazer esse mito. O termo chinês weiji de fato é composto por dois caracteres, sendo wei associado a perigo ou ameaça, e ji, não exatamente a “oportunidade”, mas algo mais próximo de “ponto de inflexão” ou “momento crucial”.
Ainda assim, a ideia de que uma crise carrega em si o potencial para mudanças continua válida — não pela gramática chinesa, mas pela experiência humana.
Na vida prática e na história, muitas crises surgem não da escassez, mas do excesso. Foi o que me sustentou um professor de História, ao citar a crise do café no Brasil no século XIX, provocada pela superprodução, ou ainda o colapso de 1929, nos Estados Unidos, impulsionado por produção descontrolada e crédito sem lastro. O mesmo padrão se repetiria em 2008, numa nova onda de euforia financeira.
Entretanto, crises não são apenas rupturas negativas. São, também, ocasiões para repensar, corrigir e inovar. Elas expõem falhas, sim, mas também revelam caminhos. Na gestão de crises, reconhecer esse duplo caráter é essencial. Quem se limita a conter danos perde a chance de construir algo melhor. Quem enxerga além do caos pode criar soluções duradouras.
No fim, a lição é menos linguística e mais existencial: diante da crise, cabe a nós decidir se seremos reféns do insucesso ou agentes da mudança.
A crise, mesmo sem conter “oportunidade” em seu ideograma, pode nos abrir uma porta — desde que tenhamos coragem de atravessá-la.
Ou seja, na crise, tire o s da palavra e crie a solução!