Até há pouco tempo, massacres em países em guerra faziam parte dos livros de história e dos testemunhos dos sobreviventes. Ninguém poderia imaginar a dimensão e a barbárie se repetindo em guerras nos últimos anos, e estamos falando do Leste Europeu e da Península Arábica, não de países que há décadas vivem sendo arrasados por conflitos sem que o mundo e a ONU lhes deem importância.
É ainda pior se pensarmos que todos os Estados deveriam ser um lar seguro para todos. Vamos focar na guerra Rússia-Ucrânia, que parecia que seria um embate rápido e já se estende por mais de dois anos. Nem a Ucrânia, nem a Rússia, tampouco os principais aliados de ambos os lados, veem qualquer chance de um acordo de paz no momento.
No início, havia, por ambos os contendores, uma perspectiva de sucesso e de potencial ganho em relação aos custos da guerra, especialmente os financeiros e políticos. Mas, hoje, há claros sinais de exaustão, isto é, que não dá mais para continuar.
Teoricamente, uma Guerra de Exaustão é aquela que tem por objetivo exaurir o potencial físico do inimigo, impossibilitando reagrupamentos, reabastecimentos, descanso das tropas e demais ações militares, levando ao colapso mediante contínuas perdas de material e pessoal. Analistas veem a guerra de exaustão como algo a ser evitado, pois a ideia de desgastar um inimigo aos poucos se opõe aos princípios da guerra, que buscam vitórias decisivas gastando o mínimo de tempo e de recursos possíveis.
Pelo lado da Ucrânia, suas tropas já convivem com falta de munição, exaustão física e mental, baixas (cerca de 40.000 militares já foram mortos) e altas taxas de deserção. De acordo com o El País, o número de deserções é de pelo menos 80 mil soldados ucranianos que abandonaram seus postos desde o começo da guerra. A falta de perspectiva sobre o fim do alistamento, o treinamento deficiente e as condições precárias na frente de batalha são algumas das principais causas dessa deserção.
A fuga de famílias é outro ponto. Segundo o Fundo de População da ONU, a Ucrânia tinha aproximadamente 40 milhões de habitantes antes da guerra e perdeu mais de 10 milhões. A maior parte dessa redução se deve à emigração em massa de refugiados, cerca de 6,7 milhões de pessoas, agravada, claro, por uma grande queda na taxa de natalidade.
Outro indicativo da exaustão está na aproximação do próximo inverno, quando Zelensky sugeriu a suspensão mútua dos ataques russos e ucranianos a instalações do setor de energia dos dois países, afirmando que a medida pode ser um primeiro passo para um acordo de cessar-fogo.
Já em Moscou, a decisão é de que as forças russas continuarão a avançar até que seus objetivos sejam alcançados, apesar das enormes perdas humanas. A população da Rússia, de cerca de 140 milhões de habitantes, já vinha em declínio devido à pobreza que se seguiu ao fim da URSS, impactando sua força de trabalho, tão necessária agora para a produção durante o conflito. O contingente militar russo é de cerca de 1,5 milhão, e aproximadamente 120.000 já morreram na guerra, enquanto 500.000 ficaram feridos.
A Rússia precisa de mais soldados no curto prazo. Além das convocações obrigatórias (fala-se em 300.000), há constantes campanhas para incentivar alistamentos voluntários e até apelos para que as mulheres russas tenham filhos, sinalizando a ambos os grupos com bônus dobrados. Recentemente, Putin decretou como prioridade nacional o aumento do número de nascimentos, tornando ilegal o estilo de vida sem filhos.
Atualmente, não parece que a guerra é por territórios, além dos já conquistados pela Rússia; o que perdura é uma situação de atrito, em que o único fator relevante é o número de soldados. Enfim, pelos números aqui apresentados, a Ucrânia não pode vencer a Rússia, restando aos seus parceiros ocidentais ajudar Kiev com o melhor plano de reconstrução possível após o final da guerra.
Entretanto, tudo depende do que significa vitória: no nível tático, a Ucrânia não deverá, pelo menos agora, recuperar os territórios perdidos; no nível estratégico, ganhou da Rússia, pois esta não derrubou Zelensky do poder e não terá a Ucrânia inteira. Portanto, continuar essa guerra tem como consequência o seu terror e o que ele nos faz fazer. Numa guerra, algumas coisas parecem impossíveis, até o momento em que as fazemos.