Cunha Couto

Gestor de Crises

Crises Artificiais

CCBlog314

Estamos falando de estratégia, blefe e poder.

Podem as crises ser deliberadamente criadas com objetivos políticos ou estratégicos? A resposta é sim — e a história fornece exemplos contundentes disso. Um dos mais emblemáticos ocorreu em 1962, durante a Guerra Fria, no episódio que ficou conhecido como a “Crise dos Mísseis de Cuba”.

A tensão eclodiu quando aviões de espionagem norte-americanos detectaram a instalação de bases de lançamento de mísseis balísticos soviéticos em Cuba, a meros 160 quilômetros da costa da Flórida. A União Soviética sabia dos voos de reconhecimento dos Estados Unidos e, portanto, tinha plena consciência de que sua movimentação militar seria descoberta.

Mais do que isso: sabia que essa descoberta provocaria uma reação enérgica por parte dos americanos.

Essa crise durou 13 dias e colocou o mundo à beira de um conflito nuclear. No entanto, por trás da tensão pública, desenvolvia-se uma negociação diplomática paralela. O impasse foi resolvido com um acordo secreto: os soviéticos retirariam os mísseis de Cuba e os norte-americanos, discretamente, desmantelariam seus mísseis na Turquia. Ambos os lados recuaram sem perder a aparência de força. Criava-se também a chamada linha direta entre Washington e Moscou — o “telefone vermelho” — para evitar futuros mal-entendidos que pudessem escalar para a guerra.

Décadas depois, nota-se padrão semelhante em crises aparentemente comerciais. A recente imposição, pelos Estados Unidos, de tarifas a produtos pode ser interpretada como uma crise artificial, criada com objetivos negociadores. Assim como na Crise de Cuba, a expectativa é que o país afetado proteste e ameace retaliações, forçando uma negociação. Os Estados Unidos, então, poderiam oferecer concessões, obtendo em troca vantagens previamente calculadas. No final, ambos os lados proclamariam vitória.

Crises desse tipo assemelham-se ao pôquer, onde o blefe é tão eficaz quanto o que realmente há de real nas mãos. Criar tensão controlada pode ser uma ferramenta de barganha. Mas, quando esse jogo envolve potências nucleares, como ocorre hoje no contexto da guerra na Ucrânia e nas ameaças russas, as apostas tornam-se exponencialmente mais perigosas.

Portanto, atualmente, a lição da Crise dos Mísseis de Cuba deve ser lembrada: o equilíbrio global não pode depender apenas de cálculos estratégicos e blefes — é preciso transparência, diálogo e responsabilidade.

Afinal, nem toda crise fabricada termina sem vítimas.

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