Cunha Couto

Gestor de Crises

Crise Venezuela-Guiana: a disputa pela região de Essequibo

CCBlog 134

Desde quando cursei a Escola de Guerra Naval, em 1984, a questão de Essequibo já era estudada. De lá para cá, essa crise, em potencial, sempre esteve em pauta, o que significa dizer que são muitos os acompanhamentos já realizados e melhorados, agora podendo obter dados com a Operação Acolhida, ainda em andamento em Roraima.

Essequibo é uma região que é parte importante do território total da Guiana (corresponde a 75% da sua área produtiva) e que a Venezuela deseja anexar.

Trata-se de uma crise muito estruturada, envolvendo dois países em nossa fronteira Norte e, portanto, em nossa área de influência estratégica, colocando em xeque a nossa Diplomacia.

Por um lado, a Guiana apela para uma sentença arbitral de 1899 que estabeleceu as fronteiras atuais, por outro a Venezuela reivindica o Acordo de Genebra, assinado em 1966 com o Reino Unido antes da independência da Guiana, que anulou a sentença e estabeleceu bases para uma solução negociada.

Disputa pelo petróleo

O fato novo nessa situação conflitiva foi a descoberta de campos de petróleo na região de Essequibo, em 2013, fazendo com que a Guiana tivesse um crescimento econômico de mais de 40%, em 2022, despertando a atenção internacional para essa área.

Não seriam campos que interessariam à Exxon Mobil ou à Shell? Ainda mais aproveitando esta janela de fim de uso de combustíveis fósseis, enquanto durar a transição energética?

Nessa crise, há os que entendem que “não há vazio de poder” e que “espaço desocupado é espaço ocupado”, indicando que o Brasil não deveria abrir mão de exercer sua natural liderança regional nessa questão. Isso poderia abrir espaço para que outros países  possam vir a se colocar militarmente, como Estados Unidos e países da Comunidade Europeia, já presentes diplomática e assistencialmente na Guiana. 

É o que já ocorre com a Base, de grande extensão física e meios de selva, que foi instalada pelos norte-americanos para “treinamento para operações na selva e operações anfíbias”. Nessa região, anualmente, os Estados Unidos fazem treinamento com quase mil militares, que duram meses. O último treinamento ocorre desde julho deste ano.

Marcando presença nessa crise atual, em colaboração com a Força de Defesa da Guiana, o Comando Sul dos EUA realizou operações de voo na Guiana, em 7 de dezembro. Segundo a embaixada dos EUA na Guiana, esse exercício se baseou em “operações de rotina para melhorar a parceria de segurança entre os Estados Unidos e a Guiana, e reforçar a cooperação regional”.

O papel do Brasil

Pensando em cenários, o mais provável seria o de a Venezuela usar esse movimento para fins políticos internos, haja vista o período eleitoral que se aproxima. 

Já o cenário mais negativo e perigoso seria a Venezuela decidir por efetuar uma ação militar de incursão, ferindo a soberania da Guiana, obrigando respostas brasileira, da Guiana (e de seus aliados), internacional, de organismos internacionais e outras.

Uma invasão militar venezuelana para tomar Essequibo forçaria os Estados Unidos, o Reino Unido e, muito provavelmente, o Canadá e o Brasil, a intervirem em defesa da Guiana.

Fato é que, diante desse quadro e das incertezas presentes, o Brasil vem sendo cobrado pelos EUA e pela comunidade internacional para que assuma um papel de mediador na crise.

As ações de tentar manter aberto o diálogo entre os presidentes Maduro e Irfaan Ali são muito importantes neste momento e apontam para uma prevenção da crise.

Da parte do Brasil, foi muito importante o Senado aprovar os nomes de duas mulheres para embaixadoras na Guiana (Maria Cristina de Castro Martins) e na Venezuela (Glivânia Maria de Oliveira). A embaixada em Caracas havia sido fechada em 2020. São diplomatas com o desafio de construção de pontes e de busca por caminhos de conciliação, em meio à tensão presente.

Se o caminho da paz  não for alcançado, estaremos diante de uma crise em que, além de ameaçar a paz e a estabilidade na América do Sul, há risco de se transformar em um conflito militar e, nesse caso, teremos guerras entre Estados em três continentes (Venezuela-Guiana; Ucrânia-Rússia e Israel-Hamas), situação que pode estimular ações militares semelhantes, latentes em outras partes do mundo.

O presidente Lula defendeu a ideia de que o Brasil deveria assumir protagonismo na mediação de crises de grande porte, como no caso da guerra da Ucrânia, até sugerindo a criação de um “Clube da Paz”. Não seria um bom passo começar como mediador entre Venezuela e Guiana?

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