Os ataques aos prédios sedes dos Três Poderes, perpetrados em 8 de janeiro, se inserem nas situações complexas próprias da perspectiva de gestão de crises no mais alto nível estratégico, pois, ao se instalarem, colocam em xeque a governabilidade e a governança das instituições.
É quando surge a todos a pergunta: “o que o Governo fará?”.
Alguns governos não conseguem sair dessas crises e caem. Outros resistem e saem até mais fortalecidos.
Governabilidade
A governabilidade nessa situação de crise é um aspecto que sempre preocupa.
Uma definição de governabilidade é a capacidade de gerir os negócios, arbitrar os conflitos e atender às demandas da sociedade ou dos clientes.
Ajudar a manter esta capacidade gerencial é algo muito próximo do que se imagina ser o trabalho de Gerenciamento de Crise.
Foi com essa percepção que os sinais de crise de governabilidade se fizeram presentes após a invasão dos prédios e a destruição ocasionada. Afinal, o que de mais importante restaria dessas atitudes?
A resposta é a governabilidade, pois ela estava em xeque. Diante dessa grande manifestação popular, estava sendo colocada à prova a eficiência do gerenciamento governamental, a legitimidade das instituições, a manutenção da ordem pública e o apoio político. Estávamos, sim, diante de uma crise de governabilidade.
Os riscos envolvidos nessa crise
Como era de se esperar, foram feitas comparações desse episódio com a invasão ao Capitólio norte-americano, em 06/01/2021. Muitos analistas ressaltaram que, de há muito tempo, parecia estarmos usando o “manual de Trump”, mas que o mais grave foi a importação dos EUA do terrorismo doméstico.
É certo que não há democracia sem oposição, o que é saudável, mas não a ponto de apoiar os excessos praticados, uma vez que os ataques, por fim, foram considerados como sendo à democracia.
Manifestações com grande número de participantes tendem a ter modificada sua atuação, fugindo ao controle de seus organizadores. Informações distorcidas também impediram uma possível atuação preventiva, que qualquer Gabinete de Crises sugeriria, em vista do risco crescente.
Lamentavelmente, o direito dos manifestantes, nesse 8 de janeiro, foi extrapolado com as invasões e, pior, com atitudes de ódio e vandalismo.
Merece atenção o papel de influenciadores digitais que, com milhares de seguidores, encorajaram a prática dos crimes cometidos, afastando-se dos preceitos da liberdade de expressão e da manifestação pacífica.
As imagens das depredações foram expostas muito além das redes sociais nacionais, alcançando o exterior e elevando, assim, o risco de fugas de capital.
A reação institucional republicana
O dia 08/01/2023 encontrou o Poder Executivo governando há apenas uma semana e Legislativo e Judiciário de férias.
Foi, portanto, um momento desafiador para colocar em campo o capital político dos Três Poderes da República.
O primeiro apoio recebido foi o internacional. Diversos países e líderes mundiais manifestaram apoio ao presidente recém-eleito e, com isso, preservaram a imagem e o papel internacional do Brasil, reconhecendo a sua ordem constitucional estável e democrática.
Depois, seguiram-se apoios políticos do Congresso Nacional e dos governadores.
Da parte do Supremo Tribunal Federal, veio a determinação de seguir toda a cadeia de manifestantes, financiadores e apoiadores, uma vez que os atos foram entendidos como atentados contra o Estado Democrático de Direito.
Analistas se dividiram na discussão sobre o emprego do termo terrorismo para definir os atos de 8 de janeiro. Alguns juristas defenderam que a qualificação poderia ser feita pelo tamanho da destruição e pela motivação não democrática, ao pedir uma intervenção militar, a destituição do presidente eleito e tomada do poder, mesmo que temporariamente. Para outros, entretanto, a legislação antiterrorismo, de 2016, não é aplicável, em princípio, para punir os atos de violência do último domingo.
Houve também repúdio veemente das organizações sociais civis aos ataques, depositando confiança nas instituições e apoiando punições aos responsáveis pelos atos.
Pesquisas mostram que a maioria dos cidadãos brasileiros considerou que os atos foram inaceitáveis e comprometeram a manutenção da ordem pública, além de ter repudiado a grave depredação das sedes das instituições na capital brasileira, há 35 anos Patrimônio Mundial da Unesco e, portanto, de toda a humanidade.
Podemos concluir que, nessa crise, a defesa das instituições e do Estado Democrático de Direito foi a força motriz da sua inflexão, possibilitando a manutenção da governabilidade.
Os atos de 8 de janeiro terminaram por fortalecer o presidente eleito Lula da Silva e enfraquecer o bolsonarismo. Ou seja, quem gerenciou a crise se saiu melhor do que quem a provocou.
“Cesse tudo o que a musa antiga canta, que outro valor mais alto se alevanta”. CAMÕES, Luiz Vaz de. Os Lusíadas. Canto I, estrofe III.